A vida de uma ex-muçulmana no armário

Texto de Chista Pantea

A neve branca cai na montanha hoje à noite, e não se vê uma pegada sequer.

Se já leram meus posts antigos, já sabem que sou uma ex-muçulmana no armário (não assumida). Eu tenho ficado escondida neste armário por quinze meses. Ainda tenho que fazer os rituais. Ainda frequento aulas islâmicas de vez em quando. Ainda uso o hijab. Tenho que escutar palestras islâmicas e de alguma maneira encaixá-las no meu dia-a-dia. Eles leem livros islâmicos, citam escrituras religiosas islâmicas e falam provérbios religiosos dentro de casa.

Eu não faço parte disso.

Um reino de isolamento e parece que sou a rainha.

“Hijab. Alcorão. Manzil. Orações. Inferno. Inferno. Inferno. Dia do Julgamento. Mulheres sabem o seu lugar. Haram. Allah. Muhammed. Allah. Muhammed“… depois de um tempo, parece ser uma música chata de rap.

O vento sopra como essa tempestade interna.

Os membros da minha família têm muita preocupação em como as mulheres se vestem porque aparentemente, a quantidade de honra de uma família está diretamente proporcional ao tamanho de tecido que ela usa. Eu conheci muita muçulmana no armário, mas muito poucas ainda são obrigadas a usar o hijab. Todas as manhãs, enquanto eu ponho meticulosamente o meu hijab, eu lembro para a garota no espelho que ela não deveria deixar que sua coleira a definisse ou a constrangesse. Eu digo a ela que um dia ela será capaz de…

“A curva de seu seio está aparecendo. Seu top está muito apertado. Cubra-se apropriadamente, ou vai ficar em casa hoje”. Eles me ordenam. Fecho a porta espelhada, como uma mocinha, e me recolho. Este é outro dia que deve ser vencido.

Não foi possível aguentá-lo, os céus sabem que tentei.

Eles não podem saber. Não vão aguentar saber. Não sei o que poderiam fazer comigo. Temo que meus pais interrompam minha educação e me coloquem em uma madrassa em tempo integral, como aconteceu com outras amigas, cuja apostasia foi descoberta em uma série de eventos azarados. Minha educação é minha única saída. Minha educação é empoderamento. Minha educação é libertadora. Minha educação é a esperança.

Eu silencio minha mente quando eles começam a pregar. Levo a cabo os rituais como eles almejam. Eu minto. Eu trapaceio. Eu sou falsa. Eu não os questiono mais. Faço como eles mandam.

Não os deixe entrar, não os deixe ver.  Seja a boa menina que deve ser.

Estou perdendo minha memória. Estou perdendo minha mente, ainda assim, permaneço sã. De alguma maneira. Minhas madrugadas são praguejadas pela ansiedade e pelo medo, e minhas tardes são aflitas pela depressão.

Finja, não sinta, não os deixe saber.

Enquanto as coisas permanecem, construo uma arca para escapar desta tormenta. Eu faço uma imersão pelos deleites da pintura e da literatura de terras distantes, e meus sonhos de viajar para tais terras. Quero ser lótus, que sobrevive e prospera no barro.

Minhas lágrimas secaram. Mas não posso me dar ao luxo de fazer meu espírito secar também.

Deixa assim.  Pois haverá um amanhã.

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chista-panteaSobre a autora: Chista Pantea (@ChistaPantea) é uma ex-muçulmana que se define como ateia e humanista. É blogueira para o site Ex-Muslims of North America e vive no Canadá. Também escreve para o www.theexmuslim.com

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