Conversa com minha mãe

Texto de Chista Pantea

Esta semana, minha mãe me arrastou junto com ela para visitar um santuário. Ela queria que eu prestasse homenagem a um santo islâmico enterrado lá. Aparentemente, ele era bem conhecido por seus esforços em pregar e pelos seus ditos “talentos sobrenaturais”. Durante o caminho, minha mãe mostrava um grande entusiasmo em contar a vida dele e todos os milagres que ele fez. Como ele era grandioso! Como ele era um pioneiro em pregar o Islã em nosso país. Como ele tinha grande influência e poder espiritual! “Que pateta incrível “, eu pensei. Tive que abafar meu riso, pois as contestações e réplicas já me afloravam na língua. Eu as engoli e meneei a cabeça em vez disso. O Que eu poderia fazer?

Enquanto eu entrava na mesquita, uma diferença gritante se manifestou ante meus olhos.

Apartheid sexual

Bem, até aí nenhuma surpresa, claro. Mas era algo mais do que apartheid sexual. Eu percebia como a sala masculina de orações era opulenta e decorada com candelabros e mobília fina. Observei como as cortinas tinham um bom design, e foram penduradas antes do Mihrab, e como os tapetes de oração eram bem decorados, e haviam sido generosamente espalhados pelo solo. Mais importante ainda, observei como a sala era bem ventilada. As portas estavam destrancadas. Os painéis das janelas foram destravados. Havia uma bela mistura de luz solar e de candelabros pela grande sala.

E então, havia a sala de orações das mulheres, pequena como uma caixa de sapato, lá nos fundos. Um compartimento dilapidado, que poderia facilmente se confundir com um galpão. Uma luz simples e alguns tapetes de reza. Mais importante, percebi como era separada do resto do mundo e coberta por pesadas cortinas. Era tão abafada e sufocante. Todas as quatro portas estavam trancadas e as mulheres tinham que abri-las com muito cuidado para que não dessem aos de fora a menor visão das mulheres que estavam dentro. Era como fornecer a elas a privacidade, algo que os homens não precisavam. “Apenas outra desculpa patética para a objetificação sexual das mulheres“, eu pensei com ceticismo.

“Mãe, as mulheres podem ser tornar imames?”, perguntei inocentemente, embora já soubesse a resposta.

“Bem, as mulheres podem só liderar outro grupo de mulheres. Mas se houver imames de ambos os sexos e se ambos tiverem o mesmo conhecimento islâmico, então a mulher deve dar lugar a ele”. Ela respondeu quase como um robô.

“Por que isso?”, perguntei firmemente.

“Por que ela deveria assumir um papel masculino de liderança?”, ela perguntou de volta. Minha face deve ter mostrado um olhar aturdido, pois ela disse: “Há coisas que é melhor que se deixe para os homens. Eles sabem como lidar com elas”.

Que diabo seria isso? Pregar o ódio e a intolerância, levar a cabo a mutilação genital, ignorar as mortes em nome da honra e os crimes cometidos em nome do Islã, ou pregar ideias do século VII?

“Quem disse que as posições de liderança são apenas para homens?” Eu continuei, de alguma forma perplexa. “As mulheres se tornaram presidentes. As mulheres conquistaram o Monte Everest. As mulheres já foram ao espaço. As mulheres fizeram muito mais do que se supunha delas”. 

“Então você acha que uma mulher deveria ser capaz de liderar as orações? Sabe por que os homens e as mulheres não podem orar lado a lado? Por causa da Hayaa (modéstia). O Islã nos ensina sobre o pudor e nós as mulheres devemos proteger nossa Awrah (partes íntimas, ou pudor)” ela retorquiu. Ela prosseguiu enfatizando como era dever das mulheres não causar Fitnah (tentação) aos “pobres homens”.

Eu olhei para ela sem acreditar. Os impulsos sexuais deles, ou sua falta de controle, não são nossa responsabilidade ou dever– eu gritei em minha mente. Mas eu não ousei falar, pois podia parecer muito controverso para ela. Em vez disso, eu interrompi o contato visual e olhei para outro lugar, em fúria.

“Eu sinto muito, Chista. Eu sei que é muito difícil ser mulher. Eu já chorei muitos dias e muitas noites por ter nascido mulher. É um pecado, Chista. É um pecado”.

“Sabe, eu acho que é um pecado nascer uma idiota preconceituosa que se sente mais segura e melhor com a desigualdade. Na época em que os negros foram submetidos a escravidão, eles se ergueram e lutaram por direitos civis em vez de se resignar ao destino e pensar que nascer negro era um pecado. Na época em que o povo de nosso país estava sendo morto pelos colonos, os guerreiros da liberdade se ergueram e lutaram pela independência, em vez de se resignar ao destino e achar que nascer naquele país era um pecado. Do mesmo modo, deveríamos estar pleiteando por nossos direitos e por respeito, em vez de cegamente aceitar ideologias que nos tratam como subumanas”. Eu fiz uma pausa para me perguntar se eu havia passado dos limites, de maneira tola ou destemida. Mas saboreei minha vitória sem pensar nas consequências de minhas afirmações sacrílegas.

“Eu não tenho vergonha de ser mulher. Eu não preciso pedir desculpas. Eu nem mesmo escolhi o sexo que tenho, e ainda assim, foi imposto a mim. Eu sei de muitas mulheres fortes ao redor do mundo que superaram o intransponível. Eu quero ser uma delas, e eu aconselho a você a repensar sua posição”- conclui com fervor.

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chista-panteaSobre a autora: Chista Pantea (@ChistaPantea) é uma ex-muçulmana que se define como ateia e humanista. É blogueira para o site Ex-Muslims of North America e vive no Canadá. Também escreve para o www.theexmuslim.com

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